Anderson Spohr Nedel afirma que o estado é o único da região sul que não conta com uma estrutura própria para previsões
O Rio Grande do Sul ainda vive as consequências de uma tragédia climática sem precedentes. Mas, mesmo que o pior ainda não tenha passado, é importante que se pense no que é possível fazer para que, no caso de novos eventos extremos, o estado esteja preparado para enfrentá-los. Um importante passo neste sentido é, segundo o meteorologista e professor da UFFS – Campus Cerro Largo, Anderson Spohr Nedel, que seja criado um centro de meteorologia no estado, já que o RS é o único da região sul do Brasil que não tem este tipo de estrutura.
Nedel afirma que os centros meteorológicos do país previam um grande volume de chuvas para o Rio Grande do Sul e alertaram as autoridades. No entanto, ele acredita que uma das coisas que faltou foi as pessoas acreditarem nesses alertas. Pensando no futuro, o professor considera que seria importante o governo investir na criação de um centro de meteorologia, equipado com radares meteorológicos e mais estações meteorológicas espalhados pelo território e com profissionais dedicados a monitorar 24 horas por dia as condições meteorológicas em cada uma das regiões gaúchas. Assim, poderiam ser gerados mais alertas para a população.
“Através de um centro meteorológico no Rio Grande do Sul, poderia ser feito um trabalho, não com maior antecedência, porque os modelos de análise são praticamente os mesmos, mas um monitoramento maior da situação. Um centro que olhasse especificamente para cada região do estado, com detalhes, 24 horas por dia, emitindo alertas 24 horas por dia. Talvez isso fosse um ponto que poderia mitigar mais esses eventos futuros que devem acontecer, segundo as projeções de mudanças climáticas”, pontua Nedel.
De acordo com o professor, ainda devem ocorrer mais eventos extremos, com chuvas intensas e frequentes em curtos períodos de tempo. “Essa vai ser a tônica da grande maioria das chuvas que vão acontecer daqui pra frente. Vamos ter mais eventos de seca, estiagens mais severas, ondas de calor mais intensas e duradouras, que também têm impacto na saúde e na vida da população”, completa. Para ele, um centro de meteorologia poderia contribuir com uma interação mais rápida com os órgãos gestores e com a Defesa Civil, que, consequentemente, poderiam também atuar com maior agilidade.
Para exemplificar a importância da rapidez quando o assunto são as previsões meteorológicas, Nedel explica que uma frente fria, que traz chuvas, pode ter a ocorrência prevista com alguns dias de antecedência, mas um tornado só pode ser previsto em um curtíssimo prazo, de poucas horas antes, e isso é possível através do monitoramento do radar meteorológico. Então, um olhar atento de meteorologistas para cada região do estado, 24 horas por dia, pode fazer uma grande diferença diante da possibilidade de ocorrência de eventos extremos, já que os alertas poderão ser mais rápidos e pontuais.
O tempo no RS
Conforme o professor, um conjunto de fatores contribui para que um grande volume de chuva caísse sobre o Rio Grande do Sul, em um curto período de tempo, e resultasse na tragédia causada pelas enchentes. Em um fluxo regular, a frente fria que estava sobre o estado iria passar e, embora trouxesse muita chuva, ela seria distribuída. No entanto, um bloqueio atmosférico fez com que essa frente fria ficasse estacionada e, por isso, a chuva ficou concentrada.
“Como estamos no noroeste do estado, tínhamos ventos do quadrante norte que barravam o sistema de chegar aqui. Ele era empurrado para a região central e leste do estado, justamente pela intensidade do vento”, diz Nedel.
Outra contribuição importante foi de um fenômeno que os meteorologistas chamam de repique do El Niño, que ocorre nos meses de abril e maio. “Há um maior transporte de umidade e calor, então a gente tem mais chuva aqui na região sul do Brasil”, comenta. É um momento de transição, quando o El Niño vai deixando de atuar e se passa para um período mais neutro. Na sequência, no segundo semestre, é esperada a influência do fenômeno La Niña, que deve trazer estiagem para a região sul.
“Há uma tendência, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, de que as chuvas muito intensas, chuvas mais frequentes, eventos de seca, estiagens mais severas e ondas de calor mais intensas, venham a acontecer frequentemente nos próximos anos e nas próximas décadas. A população tem que estar preparada para se proteger da melhor maneira possível frente a esses eventos de tempo”, destaca.
Cerro Largo
Nedel comenta que a região de Cerro Largo também foi afetada pelas chuvas intensas, mas os danos foram bem menores do que na região de Porto Alegre, por exemplo. Segundo ele, os rios Ijuí e Uruguai, que passam por lá, também se elevaram a níveis nunca antes vistos. “Como estamos no noroeste do estado, tínhamos ventos do quadrante norte que barravam o sistema de chegar aqui. Ele era empurrado para a região central e leste do estado, justamente pela intensidade do vento”, diz.
“Como esses ventos enfraqueceram, esse sistema avançou um pouco para a nossa região e aí a gente teve chuva de 278 mm, nos primeiros dias de maio, quando a média aqui da região é de 168 mm para todo o mês de maio, segundo a climatologia, segundo 60 anos de dados que se tem da estação de São Luiz Gonzaga”, comenta Nedel. Com as chuvas no último final de semana o volume já chegou aos 288 mm. O professor destaca que o que diferencia os impactos que essa grande quantidade de chuva causou são as diferentes bacias hidrográficas.
Projeto de extensão
Desde 2020, o professor Nedel coordena o projeto de extensão “Divulgação da previsão de tempo e clima na região das Missões”, com o apoio do professor Sidinei Radons. Por meio dele, mensalmente é divulgado um boletim climático para os próximos três meses, que junto com a previsão climática traz uma interpretação dos dados com recomendações feitas especialmente para os produtores agrícolas.
Como explica Nedel, que é responsável pela previsão climática, são apresentadas no boletim informações relativas a temperatura do ar e a precipitação para a região das Missões. “Estamos prevendo, inicialmente, um período de três meses, que têm uma aceitação, uma confiabilidade maior, do que uma projeção para seis ou oito meses, por exemplo. Como a previsão é climática, as incertezas começam a ficar maiores quando a gente pega um período maior que três meses”, afirma.
A divulgação do boletim climático é feita no site da UFFS e também é realizado o envio para as prefeituras e jornais da região das Missões. Além disso, diariamente o professor Nedel faz boletins, em texto e áudio, para rádios da região.
Tempo e clima são diferentes!
Tempo e clima não são a mesma coisa. Nedel explica que a previsão do tempo se refere a alguns dias, uma semana, no máximo 10 dias. Já a previsão do clima é mensal, trimestral ou mesmo anual, e baseada em médias de, pelo menos, 30 anos. “Então se tem uma média para cada mês, de temperatura, pressão, precipitação, de vento. Para cada dia do mês se tem uma média do que se espera que ocorra naquele dia, baseada na climatologia”, comenta.
“Quando se fala em tempo é uma escala temporal mais curta, de um dia, dois, uma semana. Dependendo da estação do ano, a gente tem uma maior estabilidade, uma maior confiança nessas previsões, como no inverno. E em outras épocas do ano a gente tem menos confiança nessas previsões, com mais dias para frente, sete dias, 10 dias, por serem mais instáveis, como nos períodos de transição (primavera e outono) e também no verão”, finaliza.
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Fonte: Assessoria de Imprensa - UFFS
Publicado por: Eder Lodi